EUGENIA: EMBRANQUECIMENTO E PRECONCEITO

UFMS

O texto a seguir, foi extraído da tese de mestrado de Antonio Rosa da Conceição Junior (UFMS-2021). Tomamos a liberdade de compartilhar o capítulo: "Eugenia: Embranquecimento e Preconceito" (p-29-32) de sua tese. Pois neste capítulo, Junior utilizou o nosso livro "Desconstruindo um mito: Darwin não é o pai da Evolução" como base. Segue abaixo o texto 

EUGENIA: EMBRANQUECIMENTO E PRECONCEITO 

Para compreender melhor como o fenômeno da xenofobia foi fomentado, é necessário trazer à lume o contexto científico e histórico da sociedade ocidental no século XIX. Através da análise dessa conjuntura, será possível entender o porquê do preconceito contra determinados grupos estrangeiros atualmente.

De fato, a partir da obra de Charles Darwin, A origem das espécies, a qual perpetuou a teoria da seleção natural, vários outros estudos encontraram guarida para desenvolver teorias sobre potencialidades humanas físicas e intelectuais (BANDEIRA, p.101, 2017).

Dentre essas teorias, destaca-se a de Francis Galton (1822-1911), primo de Darwin. Utilizando-se da obra do seu primo, Galton desenvolveu um trabalho científico partindo do pressuposto que a seleção natural também poderia ser aplicada ao ser humano e que a ciência poderia promover o melhoramento da hereditariedade humana (STEPAN, 2005). Ainda, de acordo com Neves e Stefano (p. 445, 2007):

Para Galton, este melhoramento não implicava apenas na eliminação de doenças mas também na seleção de características favoráveis a partir do encorajamento de determinadas uniões (...) Entre outras coisas, Galton desenvolveu estudos em bioestatística, geografia, antropometria e eugenia, nos quais valorizava as evidências quantitativas. Este cientista considerava que as características físicas, mentais e morais eram herdadas.

O termo eugenia, concebido por Galton, surge a partir da interpretação da teoria de Darwin. Conforme aduz Del Cont (2008), Galton passou a publicar obras as quais defendiam a tese que além das condições físicas, as características intrínsecas do ser humano, como intelectualidade e moralidade poderiam sofrer um melhoramento através da união entre indivíduos com "bons" atributos.

Ainda que a teoria carecesse de uma explicação plausível para destrinchar tal hereditariedade (Del Cont, 2008), Galton narrou que os problemas morais da sociedade adviriam da propagação de indivíduos com características consideradas negativas. Desta forma, Galton, também, explicitava que deveria haver um controle social das interações conjugais, de forma que um modelo ideal de família fosse seguido de forma padronizada.

Nas obras de Francis Galton, era evidente seu empenho para demonstrar que as características genéticas seriam preponderantes para as qualidades humanas, tanto boas, quanto ruins, devendo, então, sofrer um controle através de uma seleção. De acordo com Del Cont (2008, p.4) Galton imaginava que:

[...] da mesma forma que os criadores de animais selecionavam os melhores de um rebanho, favorecendo-lhes as condições reprodutivas e, com isso, melhorando o plantel, os seres humanos também poderiam ser selecionados por intermédio de um controle reprodutivo eugenicamente orientado; o que significava favorecer casamentos entre pessoas de uma linhagem considerada eugenicamente qualificada e criar restrições para que os indivíduos considerados eugenicamente inaptos não se reproduzissem; com essas medidas visava-se proporcionar que a média populacional inclinasse em favor das melhores características hereditárias.

Essa nova teoria foi o estopim para que inúmeros pensadores racistas pudessem reverberar seu ideal de pureza e embranquecimento da sociedade. Conforme expõe Bandeira (2017, p.115) "Os defensores da eugenia passaram a ver as classes pobres como ameaças à ordem vigente, devendo sua procriação ser regulada".

Como o movimento eugenista alcançou uma escala global, o Brasil não ficou de fora desta corrente. Neste mesmo período da gênese da teoria de Galton, o regime escravocrata brasileiro encontrava-se pressionado, tanto pelas revoltas abolicionistas internas quanto pelas pressões internacionais, em especial da Inglaterra. Destaca-se que apesar da escravidão somente ter terminado em 1888, desde os anos de 1831 o Brasil já havia firmado compromisso com os ingleses para interromper o tráfico de povos escravizados.

Conforme escravidão chegava ao seu fim, a elite político-economica buscou substituir a mão de obra dos africanos e seus descendentes. Segundo Albuquerque (2011, p.1):

O regime escravocrata encontrava-se fragilizado, ganhando força a campanha abolicionista. A abolição era vista como uma necessidade para que o Brasil se integrasse à modernidade. A aproximação do fim da escravidão, que veio a se concretizar em 1888, tornava, para a elite dirigente, central a preocupação com a substituição da mão de obra e a conservação da hierarquia social. Em meio a este contexto, as teorias raciais se apresentavam enquanto modelo teórico nas definições acerca da identidade do brasileiro e na busca de elucidação dos problemas do país.

Desta forma, a ideologia eugenista serviu de base para que o Estado brasileiro desse início a um processo de "depuração" da sociedade, levando a marginalização da população afrodescendente e colocando-os em "situações de pauperização e anomia social, não tendo tido condições de acompanhar o processo de expansão urbana que se desenvolvia e sendo submetido a processos de não-existência" (BANDEIRA, 2017, p.111).

Além disso, a teoria científica de Galton também influenciou a xenofobia contra outros povos, fazendo com que empecilhos fossem colocados para a entrada de determinados imigrantes. Esse tipo de discriminação começou a tomar proporções institucionais, de forma que indivíduos racialmente identificados como indesejados acabassem sofrendo um processo de boicote pelo poder público à época.

Importante salientar que o ideal de população civilizada do século XIX, esteve baseado na premissa do embranquecimento e do melhoramento social, fazendo com que a atuação estatal estivesse voltada para a repressão de grupos étnicos que não contribuíssem para o padrão europeu desejado.

Assim, fica evidente que a xenofobia passou a ser uma condição política decorrente da própria estrutura social, dentro de um contexto internacional. Nesta conjuntura, observar-se-á que a imigração de não europeus seria debatida de forma negativa e que aqueles estrangeiros que não tivessem as características almejadas pelas elites, sofreriam graves restrições para adentrar no país.

Referência Bibliográfica.

ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro. São Paulo: Cortez Editora. 2016.

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.

BANDEIRA, Edvan Gomes da Silva. Desconstruindo um mito: Darwin não é o pai da evolução. Salto: Schoba Editora, 2017.

DEL CONT, Valdeir Francis Galton: eugenia e hereditariedade. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662008000200004. Acesso em 01 Nov 2020.

JUNIOR, Antonio Rosa da Conceição. Uma análise das manifestações xenofóbicas nafronteira Brasil-Bolívia segundo o ordenamento jurídico brasileiro. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. UFMS - Corumbá/MS. 2021. p.29-32

STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na américa latina. Trad. Paulo M. Garchet. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.

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